segunda-feira, 8 de setembro de 2008

30 anos de combate à Homofobia

Conferência debate a trajetória de luta do Movimento LGBT

Fim de tarde. Sentado ao redor do Farol da Barra, assistindo ao pôr do sol, ao lado do seu companheiro. Subitamente, Luís sente o peso da mão que marca o seu rosto. Imediatamente percebe que foi um tapa dado por alguém que o observava. O motivo: o agressor percebera que Luís estava acompanhado do seu namorado. Casos como este representam a homofobia existente na sociedade. Entretanto, o personagem da história é real e foi durante sua participação no ciclo de conferências Memória dos Movimentos Sociais, no dia 4/09, no auditório da Biblioteca Pública (Barris) que, Luís Mott, fundador do GGB, confessou que já sentiu na pele os efeitos da intolerância.

Em 2007, a Bahia registrou o maior número de crimes cometidos contra homossexuais, enquanto que o Brasil lidera a lista de países onde os assassinatos são freqüentes. Neste contexto, a proposta era a de debater a trajetória de lutas do Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Além de Mott, participaram também a presidenta da Associação de Travestis de Salvador, Milena Passos e a integrante do Núcleo de Mulheres Negras Feministas e Lésbicas Negras, Ana Cristina Santos “Negra Cris”.

Há exatos 30 anos o movimento homossexual brasileiro marcava espaço na arena dos movimentos socialmente organizados com a formação do grupo Somos, do Rio Grande do Sul e do jornal Lampião, que circulou de 1978 a 1981. Desde então, vários fatos podem ser considerados como conquistas para este movimento, por exemplo, a retirada, em 1974, do homossexualismo (termo mais tarde substituído pelo movimento LGBT para ‘homossexualidade’) da lista de doenças mentais pela Associação Americana de Psiquiatria e a fundação do Grupo Gay da Bahia, em 1980, pioneiro no combate à homofobia no estado. “A homofobia vai desde o insulto até a agressão física. É muito triste a posição que o Brasil ocupa no ranking dos países homofóbicos. É preciso estancar os assassinatos e arrombar as portas dos armários”, ressaltou Mott fazendo alusão aos homossexuais que não se assumem e ficam “escondidos no armário”.

Todavia, o movimento homossexual no país apresenta subdivisões. Para Negra Cris, o recorte se faz necessário, pois o movimento não contempla todas as necessidades do segmento. “Eu não sou apenas uma mulher lésbica. Eu sou uma mulher lésbica e negra. Portanto, sofro uma tripla discriminação”, destacou. A militante afirmou ainda que ser uma ativista é também assumir uma postura responsável nas escolas em que ensina, isenta de preconceito ou até mesmo não rir quando presencia uma situação discriminatória. “Nós vivemos em um Estado laico, onde não é respeitada a nossa dignidade, principalmente por conta de fundamentalistas religiosos. Cerca de 37 direitos são negados quando assumimos nossa homossexualidade”, criticou.

Dos direitos negados aos homossexuais, destacam-se: não poder somar renda para aprovar financiamentos; não poder incluir parceiros como dependentes no plano de saúde; não participam de programas do Estado vinculados à família; não adotam filhos em conjunto; não têm licença maternidade/paternidade se o parceiro adota filho; não têm licença-luto, para faltar ao trabalho na morte do parceiro; não têm garantida a permanência no lar quando o parceiro morre; etc. O GGB e a ATRAS são exemplos de organizações cujo propósito é o de garantir que os direitos da comunidade LGBT sejam tão efetivos quanto os de qualquer cidadão, independente de orientação sexual.

Para Michelle Makeda, 21, estudante de Secretariado Executivo, realizações como esta servem para discutir “um assunto que deve ser cada vez mais debatido. É muito interessante a abertura que eventos deste tipo promovem”, destacou.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A construção em conjunto

A Atuação dos Movimentos Comunitários e das Associações de Bairro de Salvador



A história do bairro Calabar, localizado entre o Alto das Pombas e São Lázaro, está atrelada à história da associação dos próprios moradores que, juntos, conseguiram impedir, através de uma espécie de correte humana, a retirada dos moradores da região. A atuação de associações como a do Calabar e os movimentos comunitários em geral foi o tema da edição do mês de agosto do Ciclo de Conferências Memória dos Movimentos Sociais da Bahia, promovido pela Fundação Pedro Calmon/Secult.

Ocupado na década de 30, o Calabar, que antes era um quilombo onde viviam negros nigerianos, quase sempre era veiculado na mídia baiana em geral de forma depreciativa. “Um dos principais objetivos da união dos moradores do bairro era justamente tentar mudar a imagem inditosa do Calabar. Era preciso usar a imprensa a favor da gente”, destacou Rodrigo Pita, coordenador do Grupo Jovens em Ação (GJA) do Calabar e da Biblioteca Comunitária do Calabar. “O Calabar não tinha nem um tipo de saneamento básico, nem luz elétrica, por isso a comunidade se uniu para lutar por melhorias”, ressaltou.

Hoje à frente do GJA, Pita desenvolve um trabalho de incentivo à leitura no bairro, através da Biblioteca Comunitária construída em conjunto com outros jovens da região e também com ajuda de jovens do Canadá. São 6700 livros catalogados e uma média de 10 empréstimos por dia, além de palestras, debates, filmes e cursos oferecidos à comunidade.


Resultados como este demonstram o poder de ação das associações de bairro. José Maurício Daltro, representante do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), defende que “é preciso acreditar que os moradores são os atores de transformação social”. Daltro ressaltou ainda a participação massiva das mulheres nesse tipo de associação. “Grande parte das lideranças comunitárias são mulheres que muitas vezes enfrentam o machismo em casa para estar a frente das associações em busca de melhorias para o próprio bairro”, afirmou o palestrante

A partir da estatística de que o Brasil possui uma população majoritariamente urbana, cerca de 85%, Ramiro Pedro Cora, presidente da Federação das Associações de Moradores do Estado da Bahia (FAMEB), argumentou que este dado, na prática, cria uma série de demandas e desafios para as entidades comunitárias, tais como problemas relacionados à saúde, segurança e habitação. Cora criticou também o apoio conferido por algumas associações a determinados partidos políticos. “É impossível uma associação de moradores, com uma diversidade de filiações partidárias que existe, apoiar um partido político ou um candidato em particular. Caso apóie, não mais será uma associação comunitária”, retrucou Cora.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A trajetória da luta pela moradia na Bahia


Fundado recentemente, o Movimento dos Sem Teto na Bahia tornou-se um movimento socialmente organizado em 20 de julho de 2003, a partir de uma série de ocupações de terrenos ocorridas no bairro de Mussurunga, Estrada Velha do Aeroporto e na região do miolo, que abrange a Avenida Paralela, a BR-324 e o bairro do Iguatemi. A trajetória deste movimento foi tema da conferência realizada pela Fundação Pedro Calmon/Secult, no dia 31 de julho deste ano, através do Ciclo de Conferências Memória dos Movimentos Sociais da Bahia.

“Desde a década de 40, já existiam ações de luta pela moradia, mas o movimento socialmente organizado somente a partir de 2003”, destacou Raphael Cloux, autor do primeiro livro sobre o MSTS e um dos participantes da mesa de debate. Além de Cloux, participaram também o coordenador estadual do MSTS, Joquielson Batista e o assessor da equipe urbana do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), Manoel Nascimento.

Desde a criação do movimento até o ano de 2005 mais de 50 ocupações já foram realizadas. Locais como o antigo clube Português, na Pituba, e o shopping Boa Viagem, na Boa Viagem, já serviram de moradia temporária para os integrantes do movimento. Segundo Joquielson Batista, as ocupações são uma maneira de solucionar temporariamente problemas emergenciais relativos à falta de moradia, além de servir como uma forma de pressionar os poderes públicos.

Entretanto, definir a categoria “sem teto” pode não ser uma tarefa fácil, visto que se trata de uma categoria muito ampla. “A dificuldade de se estabelecer o déficit de moradia em Salvador está na própria classificação ‘sem teto’. Não há uma definição única. As pessoas que moram nas ruas, praças, viadutos, aqueles que moram de favor ou até mesmo na casa dos pais, mesmo já tendo constituído família podem ser considerados sem teto”, ressaltou Cloux que ainda criticou as políticas habitacionais, por não atingirem a parcela da população que recebe até três salários mínimos.

As causas históricas que desembocaram na falta de moradia estão relacionadas, sobretudo, à escravidão. “Com a abolição, o contingente populacional negro não foi inserido na sociedade de forma digna, ficaram sem direito à terra, ao teto. Hoje, a composição étnica dos moradores sem teto é hegemonicamente negra”, argumentou Cloux.


Guerreiras Sem Teto - A luta pela moradia não é a única bandeira defendida pelo movimento. De acordo com Joquielson Batista, a homofobia, o sexismo, o machismo e a intolerância religiosa também são outras causas a serem defendidas pelos integrantes. O coordenador destacou ainda a participação feminina no movimento. “Cerca de cinco mil famílias sem teto vivem aqui em Salvador. Grande parte dessas famílias são chefiadas por mulheres negras, chamadas de ‘guerreiras sem teto”, afirmou.

Para Rafael Digal, estudante de História, debates como este promovido pela Conferência são cada vez mais necessários. “É muito importante que as instituições públicas abram espaço para os movimentos sociais que aconteceram e ainda estão acontecendo na sociedade”, destacou o estudante a respeito da conferência.

Ciclo de Conferências debate a trajetória do Movimento LGBT


A Bahia registrou, em 2007, a maior incidência de crimes cometidos contra homossexuais, mesmo sendo um dos estados pioneiros na defesa dos direitos da comunidade LGBT. O combate a este tipo de crime tem sido uma das principais bandeiras levantadas pelo Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que tem o ano de 1978 como marco, graças à fundação do grupo Somos, do Rio Grande do Sul, entidade pioneira nesta luta e o do jornal Lampião da Esquina, que circulou entre 1978 a 1981. É neste contexto que o Ciclo de Conferências dos Movimentos Sociais realizará, no dia 4/09 (quinta-feira), às 17h, na Biblioteca Pública do Estado (Barris), um debate sobre a trajetória de lutas e conquistas do Movimento LGBT na Bahia.

Participarão do debate o antropólogo e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), Dr. Luiz Mott, a presidenta da Associação de Travestis de Salvador, Milena Passos e a integrante do Núcleo de Mulheres Negras Feministas e Lésbicas Negras e da Rede Afro LGBT, Ana Cristina Santos “Negra Cris”. Na ocasião, os palestrantes falarão sobre a luta travada diariamente para que os direitos destes cidadãos sejam tão efetivos quanto os direitos de qualquer outro independente de orientação sexual, além do projeto de criminalização da homofobia, em discussão no estado e em todo país.

Aberta à visitação pública de 1 a 15 de setembro, também na Biblioteca Pública (Barris), o público poderá conferir a exposição “30 Anos do Movimento Homossexual Brasileiro”, composta por cartazes e livros em alusão aos 30 anos da fundação do movimento homossexual no país. Com entrada gratuita, a exposição pode ser vista das 8h30 às 21h.

Homofobia - Os chamados “crimes de ódio”, nos quais homossexuais são assassinados com requintes de crueldade, não acontecem exclusivamente na Bahia. No ranking dos países onde os assassinatos são freqüentes, o Brasil ocupa a primeira posição. Entretanto, o ano de 2008 representa uma importante conquista do Movimento. Pela primeira vez na história, o governo federal realizou a 1ª Conferência LGBT, cuja proposta era a de discutir os caminhos e alternativas para garantir a cidadania homossexual.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Cresce número de atropelamentos em Salvador


O número de acidentes de trânsito envolvendo pedestres cresceu em comparação ao ano de 2007. De acordo com o recente Relatório Estatístico de Trânsito de Salvador (2008), fornecido pelo Setor de Estatística e Acidentologia da SET (Superintendência de Engenharia de Tráfego), nos cinco primeiros meses deste ano, de janeiro até maio, foram registrados cerca de 970 atropelamentos na capital soteropolitana. No ano passado, esse número foi de aproximadamente 800 casos registrados.

Para Eliomar Souza, agente de trânsito, a principal causa dos atropelamentos é o próprio desrespeito dos condutores de veículos e dos pedestres. “Quando não há sinalização, a falta de respeito costuma ser recíproca. Nos casos em que há semáforos o desrespeito dos próprios motoristas é muito grande”, avalia o agente.

Os índices de acidentes de trânsito envolvendo pedestres podem ser relacionados a uma série de fatores. Segundo Ivo Nascimento, assessor técnico da SET, é preciso destacar a imprudência dos pedestres que não atravessam nas faixas destinadas à sua utilização, bem como as atitudes dos condutores que não respeitam os limites de velocidade. “Há um desrespeito às regras gerais de circulação, como obedecer à sinalização, reduzir a velocidade e atravessar na fixa de pedestres”, salienta o assessor. Nascimento argumenta ainda que o papel da SET seria justamente o de ordenar a questão da mobilidade, além de construir passarelas e identificar os pontos críticos.

Uma das possíveis soluções para reduzir os riscos de atropelamentos é investir cada vez mais em educação no trânsito. Para Miriam Bastos, gerente de educação no trânsito que atualmente coordena o curso “cidadão no trânsito”, as aulas voltadas para este tipo de educação devem “formar alunos cidadãos e conscientes dos seus deveres e direitos no trânsito, além de reforçar a idéia de um trânsito cada vez mais humanizado”. Porém, a sinalização de ruas e avenidas com o objetivo de orientar pedestres também é importante.

Entretanto, as ocorrências de atropelamento não são restritas à capital da Bahia. Segundo o sítio “Perkons”, metade das 50 mil pessoas que morrem anualmente em acidentes de trânsito são pedestres, ciclistas e motociclistas. Isto se agrava ainda mais com o número de frotas de veículos no país, um dos maiores do mundo. Somente na cidade de Salvador há uma frota de cerca de 587 mil veículos (IBGE – estimativa 2007).



Esta matéria, juntamente com mais três, fazem parte de uma reportagem especial sobre a situação do trânsito de Salvador. Confira as demais:





Veja também um vídeo com dicas de como proceder em caso de atropelamento:



domingo, 25 de maio de 2008

Novamente uma questão de visibilidade


A cobertura midiática da maior parada gay do Brasil, pelo menos em jornais de grande destaque no cenário nacional, deu ênfase aos aspectos negativos da passeata (Não estou afirmando que foi intencional). Assim como costuma ocorrer no carnaval e em outras festas de grandes proporções, incidentes, tais como roubos, furtos, pessoas acidentadas, violência e vandalismo ocorreram durante o desfile dos trios elétricos. Isto é comum, quando se aglomeram milhares de pessoas nas ruas, mesmo tendo policiamento. Em sua 12ª edição e com o tema “Homofobia mata – Por um Estado laico de fato”, a Parada Gay de São Paulo, ocorrida no dia de hoje, no centro da capital, foi retratada ressaltando-se os aspectos mais problemáticos. (confira os links abaixo)

Fruto de desorganização ou não (não quero culpar ninguém), o que importa é que, se a parada tem como um dos objetivos dar visibilidade à causa gay, isto é, visibilidade positiva, os resultados da cobertura podem não ser tão profícuos.

Na matéria "Após Parada Gay, carro é depredado na Rua Augusta", o repórter conta que moradores de um prédio, na região central de São Paulo, atiraram objetos no teto de um carro. O mortorista do veículo, incorformado com essa atitude, desce do carro e quebra a porta de vidro do referido prédio. Logo depois, em resposta à sua ação, o carro do motorista é depredado. Apesar de o fato não ter nenhuma ligação direta com a Parada, o texto leva no título a associação com o evento: "Após Parada Gay".

Não é minha intenção discutir se o jornalismo deveria ou não privilegiar os aspectos que não deram certo no evento. Ao que me parece, essa instituição se desenvolveu no Brasil com ares de cão farejador, cujo propósito seria justamente o de “policiar” e “revelar” ao público tudo aquilo que está errado. Portanto, posso aferir que a missão talvez tenha sido cumprida.

O que me interessa aqui é pensar sobre as contribuições que a parada pode promover, no que tange à imagem da causa homossexual perante a sociedade, na luta pela igualdade de direitos, diante dos incidentes. Entretanto, faço questão de salientar que não quero também assegurar os “efeitos” da cobertura midiática, ou melhor, o que uma cobertura que destaca aspectos ruins pode causar. Não é esse o meu foco e nem teria capacidade para tanto. Não quero avaliar de que forma a sociedade recepcionará tais notícias.

Mas uma coisa é certa: a maneira pela qual boa parte do Brasil toma conhecimento dos fatos, como por exemplo a Parada Gay de SP, é, sobretudo, através dos grandes meios de comunicação. Desta forma, o que me instiga é tentar visualizar quais seriam os ganhos, em termos de visibilidade, após o evento (tudo bem, confesso que não sei). Por fim, volto a afirmar que a semelhança em algumas coberturas, como a da Folha On Line e do Estadão, que tiveram como foco os incidentes ocorridos, despertou minha atenção. Só isso.


"Olha aí o que aconteceu":





Homem atropelado por trio elétrico na Parada Gay passará por cirurgia

Ruas permaneciam bloqueadas três horas após a Parada Gay

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Fogueira Cultural


“Se não me derem um local para expor o meu trabalho, eu junto tudo, faço uma grande fogueira cultural e toco fogo”. Esta ameaça é a forma que Zilda Paim, professora autodidata e contadora de histórias, nascida na cidade de Santo Amaro, encontrou para falar da dificuldade em conseguir um espaço para expor o material que coletou sobre a memória da cidade: são fotos, livros antigos, revistas e recortes de jornais, além de anotações feitas pela própria Zilda.

Zilda desenvolveu o gosto por história desde muito cedo, com a descoberta de um livro muito antigo, enquanto fuçava as coisas do pai. Hoje, com 89 anos, apresenta lucidez incomum e recorda que a sua motivação para iniciar a coleta do acervo partiu da curiosidade que tinha a respeito da própria cidade onde morava. Desta forma, ela passou a tomar nota dos principais acontecimentos do cotidiano em Santo Amaro. “A gente sempre escuta a respeito das histórias de outros lugares. Eu queria ouvir e contar a história de Santo Amaro, por essa razão comecei a coletar informações sobre a cidade”, afirma Zilda.

A sua primeira obra – “Isto é Santo Amaro”, publicada originalmente em 1974, é uma espécie de livro de memórias, no qual Paim tenta construir uma narrativa sobre a formação da cidade. Entretanto, a autora ressalta as dificuldades em se obter apoio financeiro, para que o seu acervo seja disponibilizado à população, sobretudo, a de Santo Amaro. Enquanto não encontra um local apropriado, ela mantém todo o material em casa, guardado em caixas empilhadas.

Iniciativas como a de Zilda Paim são importantes para garantir a preservação de documentos históricos valiosos. Mais do que simples registros, estes documentos servem de base para a construção, por exemplo, da memória de uma cidade.

A partir do advento da internet e da sua crescente utilização, por parte da população, a digitalização de acervos pode ser vista como uma forma de aumentar o acesso às obras históricas e de difundir o conhecimento, além de contribuir para a preservação do próprio material.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Livros usados na rede

A compra de livros usados através da internet torna-se cada vez mais facilitada, pelo menos é o que garantem os sebos on line, livrarias virtuais que se encarregam de disponibilizar eletronicamente os seus acervos. Os principais produtos vendidos são os mesmos que comumente se encontram em sebos físicos: livros, CDs, DVDs, discos de vinil, quadrinhos, revistas e VHS. Dentre estes produtos, alguns recebem a classificação de “raridades”, quando não são facilmente encontrados ou não são mais produzidos, o que fazem deles principais atrativos, sobretudo para colecionadores.

O portal “Estante Virtual” oferece ao consumidor a possibilidade de consultar cerca de dois milhões de livros on line, conectados a 800 sebos do país. Caso disponíveis, eles podem ser encomendados diretamente pelo sítio. Todavia, a Estante não se responsabiliza pelo estado físico dos livros, devido à distância física que gera uma incapacidade de fiscalizar o estado real do grande número de livros disponibilizados. "Essa responsabilidade é integral dos sebos", argumenta a equipe do suporte comercial. Para evitar situações de divergência e insastifação, foi criado um sistema de qualificação baseado na experiência coletiva de compra. Nos casos em que a descrição do produto não corresponde com o que de fato é entregue, o suporte comercial executa ações de bloqueios de acervos ou até mesmo a suspensão de vendas.


A idéia de se criar uma rede integrada de sebos surgiu, há 3 anos, a partir da dificuldade do fundador André Garcia, então graduado em Administração de Empresas, em encontrar os livros indicados na sua bibliografia quando deu ínico ao Mestrado. Foi neste momento que ele percebeu que praticamente não havia sebos on line que atendessem às suas necessidades. Sendo assim, desenvolveu um sistema de busca em acervos de sebos, o que possibilitou a criação da Estante Virtual. Além de ajudar na busca de livros, em um número considerável de sebos, permite-se ainda que o internauta coloque seus próprios livros à exposição, criando, assim, uma espécie de estante individual, com capacidade de até 100 livros. Uma outra facilidade oferecida é a “busca off line”, onde o leitor pode encomendar uma consulta manual nas estantes físicas dos sebos, visto que nem todo o acervo pode estar informatizado.


Segundo Carmem Menezes, historiadora e proprietária do “Traça” – livraria online, lançada em 2000 e que nasceu de um projeto de extensão da livraria física Ex Libris, localizada em Porto Alegre (RS) -, as vantagens de se comprar de sebos é que se podem encontrar livros com preços relativamente mais baratos, além de ter à disposição um leque de produtos raros ou de interesses específicos, cuja publicação pode ter sido limitada. O serviço de entrega abrange todos os municípios brasileiros atendidos pelos Correios e até mesmo em outros continentes.


Para Jorge Gauthier, estudante de jornalismo, recorrer aos sebos online foi a única forma de encontrar os livros que queria, porém, o valor cobrado pelo frete e o estado em que o livro chegou a sua residência (não correspondeu ao estado descrito no sítio) foram as desvantagens. Outro sítio de venda virtual é o "Seboonline.com" que, funcionando desde 2007, é um portal criado para sebos, livreiros e clientes em geral que disponibiliza os acervos de mais de 200 sebos, totalizando cerca de 500 mil produtos a venda. Nele, o leitor pode encontrar tanto produtos novos como seminovos ou usados.


P.S.: Esta matéria foi feita em concomitância com mais outras três, que formam, conjuntamente, um única pauta (Sebos). Confira as demais:

Sebo Andante

Brandão

Impressões: Vendem-se livros por entre café, almoço e internet



Confira abaixo o vídeo de uma matéria que trata das obras raras encontradas em sebos, feita com a livraria "Traça":

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Conferência Nacional GLBT

“Direitos humanos e políticas públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais” é o tema da Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT). Dividida em duas etapas – nacional e estadual -, a Conferência tem o mérito de ser a primeira a ter este tipo de abordagem. A etapa nacional ocorrerá em Brasília, de 6 a 8 de junho deste ano e as etapas estaduais possuem cronogramas variados.

Os principais objetivos da Conferência, convocada por Decreto presidencial de 28 de novembro de 2007, vão desde reformulações de estratégias do projeto de combate à violência e à discriminação contra homossexuais e transgêneros, denominado “Brasil sem Homofobia”, até a elaboração do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos GLBT. Nas conferências estaduais, serão escolhidos representantes da sociedade civil e do poder público para atuarem como delegados e que irão à Brasília, durante a etapa nacional. “A realização dessa Conferência na data da comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, reafirma o compromisso do presidente Luis Inácio Lula da Silva em tratar a questão dos direitos humanos como uma política de estado” (trecho extraído do site da conferência).

A etapa estadual baiana começou, em Salvador, no dia 24 de abril e vai até o dia 26 deste mês, no Instituto Anísio Teixeira (IAT), na Paralela. De acordo com o site da Assessoria do Governo da Bahia - Agecom -, municípios como Alagoinhas, Barreiras, Valença, Irecê, Porto Seguro, Ilhéus, Feira de Santana e Castro Alves também realizam encontros e conferências que darão subsídios para o evento estadual.


Para Julian Rodrigues, ativista GLBT do Instituto Edson Neris (SP) e da Comissão Organizadora da Conferência GLBT, o que se pode esperar de uma conferência como esta é o reconhecimento social que se desdobre em direitos civis garantidos e políticas públicas para implementá-los. “A convocação da Conferência GLBT, em si, já é uma vitória política porque dá visibilidade para nossa luta por cidadania e marca o reconhecimento por parte do Estado brasileiro de nossa existência enquanto população historicamente discriminada, que necessita de políticas de ação afirmativa. A segunda coisa é constatar que o fato de o governo federal induzir os Estados a discutir este tema, colocou a cidadania GLBT na agenda do poder público e está obrigando setores que nunca discutiram o tema a se envolver, a pautar o debate, a realizar Conferências, a dialogar com nossos ativistas”, analisou Rodrigues.

Sexo rola em banheiros de shoppings

A matéria abaixo foi publicada originalmente no Jornal da Facom - jornal laboratorial da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, no ano de 2006.

Sexo rola em banheiros de shoppings

Vigilante diz que prática é antiga; militantes gays condenam comportamento, temendo riscos e preconceito.

Anderson SoteroDa equipe de reportagem do Jornal da FACOM


“Deve-se fazer tudo que se tem vontade. Antes que seja tarde demais”. Esta afirmação é a resposta dada por A. T., noivo de uma mulher há 5 anos, quando inquirido sobre o que costuma fazer em banheiros públicos. Para ele (e muitos outros), banheiros são sinônimos de satisfação sexual rápida e anônima. Encontros fortuitos entre pessoas do mesmo sexo ocorrem amiúde em banheiros de locais públicos como shoppings centers, rodoviária, estações de transbordo como a Lapa, cinemas, etc. M.S., segurança de um dos shoppings mais populares de Salvador, estima que isto aconteça há anos. Ele assegura que são sempre as mesmas pessoas que “freqüentam” os banheiros. São clientes, atendentes de loja que aproveitam suas pausas, além de alunos de cursinhos pré-vestibulares. “Eles chegam às vezes a subir no vaso sanitário para espiar a pessoa que está no outro lado”. Flagrar esses encontros tornou-se algo corriqueiro para M.S. Ele conta que, quando a situação esquenta, é necessário abordar os praticantes, que quase sempre alegam estar sofrendo discriminação, devido à sua orientação sexual. O que se desconhece é que praticar ou simular ato obsceno que ofenda o pudor público em geral pode ser enquadrado como crime, desde que haja conotação sexual. A lei brasileira prevê pena de reclusão de três meses a 1 ano ou multa para praticantes desse tipo de ato.

Para A.T., que se considera heterossexual, ter conhecimento da proibição não é impeditivo, é ainda mais estimulante. Porém, ele faz questão de destacar que, nas relações homossexuais que pratica, assume sempre a postura de ativo, isto é, aquele que penetra, o“macho”. O banheiro é um local recorrente por ter também um grau de exposição reduzido. “Em espaços abertos, eu não me arriscaria e minha noiva poderia ficar sabendo”, afirma convicto. Já para Daiane Moura, 22 anos, um gay que prefere ficar num lugar escondido é porque “não tem personalidade”. Em sua opinião, é preciso encarar a sociedade, desprezando o preconceito. “Você não se assumindo tem preconceito contra si mesmo”. Vale ressaltar que, após Daiane ter assumido ser lésbica, parte de sua família cortou por completo as relações que tinha com ela.

Riscos

Expor-se ainda é um risco grande. Sabe-se que o ódio e a repulsa cultivados por pessoas homofóbicas se refletem, em muitos casos, em agressões verbais e físicas cometidas contra homossexuais. Segundo dados difundidos pelo GGB (Grupo Gay da Bahia), a cada dia no Brasil um homossexual é assassinado com requintes de crueldade. Neste cenário de intolerância, banheiros podem ser um meio facilitado de se obter prazer sexual, sem demasiada exposição, dispensando as etapas de apresentação – procedimentos comuns utilizados quando se querconhecer alguém.

Alguns “encontros” são combinados a partir de trocas de olhares, através dos espelhos, enquanto, geralmente, se finge estar lavando as mãos. Se houver reciprocidade no flerte, utiliza-se, então, de gestos para indicar a cabine disponível. Otaviano Reis, coordenador do GGB, defende que banheiros são exclusivamente para atender às necessidades fisiológicas. Acredita também que este fato prejudica a imagem que a sociedade pode ter dos homossexuais, o que pode levar a generalizações preconceituosas, estimulando a discriminação. Outro risco dos encontros é a ausência de medidas de proteção contra as doenças sexualmente transmissíveis, sobretudo a AIDS. P. S., operador de telemarketing, reconhece que nunca utilizou nenhum tipo de proteção, mas que, até hoje, somente fez sexo oral e masturbação, nada mais além disto.

Banheiro exclusivo gera polêmica

Após sua filha de 6 anos ter presenciado a troca de roupas de um travesti em um banheiro feminino, o presidente da escola de samba Viradouro (Niterói-RJ) propôs, no ano passado (2005), a criação de um banheiro diferenciado: exclusivo para travestis e transexuais. A proposta do sambista não foi a única. No dia 13 de dezembro de 2005, foi aprovado pela Câmara Municipal de Nova Iguaçu, interior do Rio de Janeiro, um projeto de lei obrigando casas de shows, shoppings, cinemas, restaurantes, clubes e similares a criar o 3º tipo de banheiro. No ano de 2006, atendendo às reivindicações de um grupo de travestis que não se sentem à vontade para utilizar o banheiro masculino, nem o feminino, a Câmara de vereadores do município de Pombos, no agreste de Pernambuco, decidiu aprovar projeto de lei com a finalidade de construir um banheiro destinado a homossexuais.

Organizações e grupos que são contra a criação desses banheiros alegam que as pessoas devem ser reconhecidas pelo que denominam “identidade de gênero” - um conceito que se baseia no sentimento de masculinidade ou feminilidade que acompanha o indivíduo ao longo da vida e que nem sempre corresponde ao sexo biológico. Não devem existir vários banheiros para distinguir as pessoas. Acreditam que cada um deva utilizar os banheiros de acordo com sua identidade de gênero. Segundo Otaviano Reis, coordenador do GGB, o grupo é completamente contra a criação desse tipo de banheiro. “É uma atitude preconceituosa”. Adria Verusca, 24 anos, estudante de Enfermagem, vê o projeto como algo semelhante ao que foi feito na Alemanha por Hitler. “O que é que impede uma pessoa que tem uma orientação sexual diferente daquela da maioria, freqüentar o mesmo banheiro?”, questiona indignada.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Let me introduce the shoe again...


"É livre, ilimitado e, sobretudo, experimental". Dentro desta perspectiva, sobretudo na qualidade de experimental, "O sapato" vai a partir de agora abrir uma seção exclusiva para contos. A idéia inicial é a de publicar contos do próprio autor do blog. Apesar do primeiro post ter sido uma espécie de conto para explicar a criação do blog, o conto abaixo inaugura a "Seção: Contos...".
É importante destacar, a fim de se evitar o pânico geral, de que as intenções iniciais do blog serão mantidas. A nova seção será um acréscimo, uma nova possibilidade.


Mais uma noite
Era mais uma noite solitária que passaria. Mais uma noite em que sentiria o frio o dilacerar por dentro. Uma frieza emanada de recordações. Não conseguia compreender o porquê de a vida ser tão irônica. Tinha dificuldade de aceitar as coisas como elas eram ou como pareciam ser. Podia jurar que escutava esporadicamente a vida a rir sarcasticamente diante das suas frustrações e desilusões. Quando isto acontecia, encolhia-se, pressionando as orelhas com as palmas das mãos, para cessar o som das gargalhadas que ressaltavam suas derrotas. Queria extrair de sua memória tudo que não lhe agradasse. Somente se recordaria dos seus triunfos, de suas vitórias. Nada que lhe trouxesse a dor no peito que o fazia se sentir péssimo. Podia até se esconder das pessoas que o cercavam e daquelas que não conhecia também, e por vezes tentava pôr em prática este intuito. Fingir externamente era extremamente fácil para ele. Porém, nada poderia ser feito para se esconder da pessoa que o conhecia mais do que todos neste mundo. Era cúmplice de si mesmo. Tinha a impressão de que, ao olhar para qualquer objeto, não o fazia sozinho. Havia outra pessoa que somente ele conhecia. Alguém que estava ciente de todas as sensações que lhe ocorriam, provocadas pelas mais variadas situações de uma vida simples e banal. Acostumara-se com a monotonia das coisas. Na verdade, não enxergava mais nenhuma motivação nas coisas, no mundo, em nada. Praticamente desistira de viver. Fazia suas tarefas diárias, mas nem se dava conta das razões que o levava a fazê-las. Uma coisa que ainda não tinha perdido a vontade de fazer era caminhar. Mas quando se preparava para satisfazer uma de suas poucas vontades, desistia. Passara a detestar as pessoas, pelo menos a maioria delas. Gente mesquinha, vil, desprezível e repugnante. Por vezes tentava desvencilhar-se deste monstro que havia se tornado. Porém, malograva em cada uma das suas tentativas. Parecia não haver remédio para sua misantropia. Só de pensar que se depararia com pessoas tão insuportáveis, ele preferia ficar em sua casa. Escutando música. Isto sim era uma das poucas coisas que lhe restavam para desfrutar neste mundo sem significado.
Sentou-se na mesa da cozinha, enquanto esperava o café estar pronto. Tinha consciência do mal que podia lhe fazer ingerir tanto café. Mas não conseguia evitar. O mal era feito a ele mesmo. Quem poderia se importar. Pegou a xícara azul e grande que gostava. Colocou mais da metade de leite e completou com o café. Alguma coisa o distraiu, um latido longínquo talvez, e fez com que ele derramasse boa parte do café sobre a mesa. Praguejou bastante por muito tempo. Odiava coisas sujas. Ainda mais se ele fosse o responsável pela sujeira. Alguém uma vez lhe dissera que isto era conseqüência de alguma frustração. Um problema interno mal resolvido. Todavia, o único problema interno que possuía era uma gastrite. A droga de uma gastrite que parecia estar regida pelo seu estado emocional. E ele nunca estava bem emocionalmente. Alguém lhe dissera também que ele não havia amadurecido. Que fossem, então, todos os conselheiros para o inferno. Ele não tinha amadurecido, mas não estava pedindo nada a ninguém. Não estava. Pegou uma toalha na gaveta e se pôs a limpar a mesa. Mas não adiantava. Puxou a toalha com tanta raiva, como se estivesse arrancando todos os seus problemas, como se extirpar-se tudo que lhe doía de uma só vez. O som da xícara ao chão, não lhe tirara a atenção. Ficou segurando o pano por algum tempo, refletindo. Perguntava-se constantemente quando tudo isto se iniciara. Por que ele não percebera. Por que ele não evitara. As lágrimas escorriam-lhe do rosto. Abandonou a cozinha. Abandonou tudo. Ligou o som e saiu. Trancou a porta. E saiu à deriva. Era um horário agradável. A maioria das pessoas já havia retornado do trabalho, já estavam em suas casas. O risco de vê-las era ínfimo.
Andou por quase uma hora, até chegar em uma praça que se acostumara a passar o tempo. Sentou-se e arrancou uma flor de uma planta qualquer. Passou a fitá-la e se permitiu divagar. Desta forma conseguia sair deste mundo. Ir para qualquer lugar, que não fosse ali. Qualquer lugar em que se sentisse a vontade. Um lugar onde pudesse se despir. Ficar completamente nu. A mente vazia. Uma folha em branco. Poderia reescrever sua vida, sua história. Só conheceria quem realmente valesse a pena. Iria a todos os lugares que desejasse. E nada o incomodaria. Nem a sua gastrite.
Uma criança maltrapilha o fez sair de seu momento reflexivo e voltar à tona. Pedia-lhe alguma coisa que ele não se esforçara em entender. Acenou com a cabeça e deu de costas, deixando a criança a ralhar sozinha. Pessoas inoportunas. Insensíveis. Não lhe respeitavam. Não o deixavam em paz. Queria que tudo implodisse.

sábado, 12 de abril de 2008

Homofobia na Bahia - Segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB)

 Band News FM - Homofobia na Bahia


De acordo com o relatório anual, divulgado pelo Grupo Gay da Bahia, no dia 08 de abril de 2008, a Bahia é o estado mais violento para homossexuais e travestis, com aproximadamente 15% dos assassinatos ocorridos em 2007. A pesquisa concluiu também que, no ano passado, cerca de 120 homossexuais e travestis foram assassinados no Brasil. A faixa etária da maioria das vitimas era de 20 a 40 anos. Travestis profissionais do sexo, professores, cabeleireiros e ambulantes são os principais grupos sociais atingidos.

Uma das principais dificuldades enfrentadas para se obter dados que comprovem os crimes motivados por homofobia é que, segundo o GGB, no Brasil, não há estatísticas governamentais que focalizem tais crimes. Faltaram ainda informações sobre quatro estados: Amapá, Rio Grande do Sul, Roraima e Rondônia. O relatório foi construído com base em notícias de jornal e internet.

No dia 17 de maio, comemora-se o dia mundial de combate à homofobia, porém, ainda existem países da África e América Latina, onde homossexuais enfrentam leis severas e rígidas. As punições variam de açoites à pena de morte.

Para Marcelo Cerqueira, Presidente do GGB, “Homofobia é uma espécie de racismo sexual baseada na ignorância e na intolerância machista que só considera normal a heterossexualidade, desprezando e discriminando os gays, lésbicas, travestis e transexuais. Todo homófobo tem problemas sexuais: alguns matam para provar que são machos de verdade!”.

A data escolhida faz alusão ao dia 17 de maio de 1990, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista de transtornos e doenças mentais. Segundo L.G. Tin, autor do principal dicionário sobre homofobia, editado em Paris em 2003, a justificativa para o evento é “articular ação e reflexão, com vista a combater todas as formas de violência física, moral ou simbólica ligadas à orientação sexual ou à identidade de gênero”.

sábado, 5 de abril de 2008

“A homossexualidade não existe”


A obra de Caio Fernando Abreu (1949-1996), autor da frase que dá título ao texto, e as possíveis interseções com o cinema foi o tema da segunda mesa de discussão, realizada no Instituto Cervantes, durante a Mostra “Possíveis Sexualidades – da transgressão à vida familiar no cinema”, em seu terceiro dia de apresentações. A mesa foi composta por Guilherme de Almeida Prado, diretor do longa-metragem “Onde andará Dulce Veiga?” (2007), Állex Leila , professora e pesquisadora da obra de Caio Fernando, que substituiu o jornalista Thiago Soares que não pode comparecer, e Leandro Colling (mediador), professor do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da Facom/UFBA.

O mediador deu início à palestra e, numa forma de diversificar a apresentação dos palestrantes, leu trechos de uma carta, escrita pelo Caio Fernando Abreu, para o seu contemporâneo Guilherme Prado, onde incentivava o amigo a fazer o filme. Inicialmente, o roteiro havia sido escrito por ambos. Entretanto, Caio Fernando organizou os rascunhos e escreveu o livro “Onde andará Dulce Veiga?”, publicado originalmente em 1990.

“Após a morte do Caio, o projeto do filme ficou engavetado por cinco anos”, destacou Prado. O projeto somente veio a se realizar, a partir de uma reformulação do roteiro, quando percebeu que havia algo nele que não era datado, que era atemporal. A demora se deu porque, a priori, a idéia era a de fazer um filme sobre os anos 80, voltado para o público dos anos 80. Isto fez com que o projeto fosse sempre protelado. Guilherme Prado afirmou ainda, em tom descontraído, que, durante as filmagens, “na verdade, o diretor era o Caio e eu era o assistente de direção”, referindo-se aos acasos que ocorreram e influenciaram a produção.

Quando indagado sobre as dificuldades enfrentadas por trabalhar com um filme que possui também a temática gay, Guilherme Prado assegurou que esta característica não se configurou em um empecilho, visto que ele estava trabalhando com uma obra já publicada, de um autor conhecido e que já morreu. “No Brasil, é melhor trabalhar com um autor morto”, ressaltou o diretor. Para ele, o atual obstáculo é o de conseguir dinheiro para lançar o filme.

A segunda palestrante, Állex Leila, desenvolve um trabalho de pesquisa que se baseia nos contos escritos por Caio Fernando. “A minha relação com Caio ultrapassa as questões acadêmicas. Desde a primeira vez que o li, me apaixonei”. Porém, a pesquisadora salientou a dificuldade que teve em encontrar as obras do autor. “Hoje em dia é mais fácil, pois há uma grande editora que está publicando a obra de Caio”. De acordo com Állex Leila, não podemos afirmar que nos referidos contos a homossexualidade seja tratada como algo no singular, “não há uma única homossexualidade, e sim homossexualidades”, “a sexualidade (nos contos) nunca é resolvida ou encerrada numa única perspectiva”, esclareceu.

A primeira edição da Mostra se estende até o dia 11 de abril e exibe um total de 12 filmes – longas de ficção e documentário – produzidos na Espanha, Brasil e Argentina. As películas podem ser vistas no Instituto Cervantes, no circuito SALADEARTE (Cinema do Museu e UFBA) e na Sala Walter da Silveira, a partir das 16 horas. Pode-se conferir também, além da exibição das obras cinematográficas, a exposição fotográfica "Boneca Sai da Caixa", produzida pelo Laboratório de Fotografia da Facom/UFBA.

Caio Fernando Abreu

“Só que homossexualidade não existe, nunca existiu. Existe sexualidade – voltada para um objeto qualquer de desejo. Que pode ter genitália igual, e isso é detalhe. Mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade”.

Biografia

Caio Fernando Loureiro de Abreu nasceu no dia 12 de setembro de 1948 em Santiago (RS). Jovem ainda mudou-se para Porto Alegre onde publicou seus primeiros contos. Cursou Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, depois Artes Dramáticas, mas abandonou ambos para dedicar-se ao trabalho jornalístico no Centro e Sul do país, em revistas como Pop, Nova, Veja e Manchete, foi editor de Leia Livros e colaborou nos jornais Correio do Povo, Zero Hora, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. No ano de 1968 — em plena ditadura militar — foi perseguido pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), tendo se refugiado no sítio da escritora e amiga Hilda Hilst, na periferia de Campinas (SP). Considerado um dos principais contistas do Brasil, sua ficção se desenvolveu acima dos convencionalismos de qualquer ordem, evidenciando uma temática própria, juntamente com uma linguagem fora dos padrões normais. Em 1973, querendo deixar tudo para trás, viajou para a Europa. Primeiro andou pela Espanha, transferiu-se para Estocolmo, depois Amsterdã, Londres — onde escreveu Ovelhas Negras — e Paris. Retornou a Porto Alegre em fins de 1974, sem parecer caber mais na rotina do Brasil dos militares: tinha os cabelos pintados de vermelho, usava brincos imensos nas duas orelhas e se vestia com batas de veludo cobertas de pequenos espelhos. Assim andava calmamente pela Rua da Praia, centro nervoso da capital gaúcha. Em 1983 transferiu-se para o Rio de Janeiro e em 1985 passou a residir novamente em São Paulo.Volta à França em 1994, a convite da Casa dos Escritores Estrangeiros. Lá escreveu Bien Loin de Marienbad. Ao saber-se portador do vírus da AIDS, em setembro de 1994, Caio Fernando Abreu retorna a Porto Alegre, onde volta a viver com seus pais. Põe-se a cuidar de roseiras, encontrando um sentido mais delicado para a vida. Foi internado no Hospital Menino Deus, onde faleceu no dia 25 de fevereiro de 1996. (Trecho extraído do site “Releituras”)

Especial Caio Fernando


Obs.: A matéria foi produzida em 2006. Na epóca, completavam-se 10 anos após a morte de Caio Fernando.


Saiba mais:

Programação da 1ª Mostra Possíveis Sexualidades
Sinopses dos filmes
A obra de Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Um caso de pouca visibilidade

Embora a visibilidade midiática a respeito do tema seja ainda um pouco reduzida, há, de acordo com o “Livro de Contrato de União Estável Homossexual” – uma espécie de documento, onde se registra acordos do tipo, fornecidos por nove entidades representantes de direitos homossexuais ou de direito humanos de sete estados, cerca de 200 uniões entre casais de mesmo sexo no Brasil, sendo que a primeira ocorreu em 2003.

Estes dados contrariam a afirmação veiculada na imprensa (e no texto anterior a este) de que a união civil entre o jornalista Felipeh Campos e o produtor de moda Rafael Scapucim fosse o “primeiro casamento gay celebrado no país”. Poder-se-ia alegar que há neste evento, que será realizado no dia 10 de abril deste ano, características que fizessem jus à denominação “casamento”, como afirmou Felipeh, um dos noivos, no site de notícias do Yahoo, “É sim o primeiro casamento gay, pois é o primeiro que segue o figurino, com tudo protocolado: da lista de casamento ao bem-casado (a lembrancinha de casamento). Além disso, vamos ter uma cerimônia religiosa, no candomblé”. Todavia, no que concerne ao aspecto religioso, isto não representa ineditismo, pois segundo Luiz Mott, fundador do GGB (Grupo Gay da Bahia), desde a década de 70 realizava-se “casamentos” em terreiros de Umbanda. O próprio Mott teve cerimônia de “casamento” religioso semelhante quando se uniu a Marcelo Cerqueira, atual presidente do GGB, em 1988.

Para Andressa Marques, pós-graduada em Comunicação Social pela UFMG, é necessário que os grupos de sexualidade estigmatizada lutem contra a invisibilidade para alcançar o respeito social, “no momento em que (os referidos grupos) desejam lutar por direitos, por reconhecimento social e pela estima alheia, eles devem empreender tentativas de levar suas vozes para o espaço público de discussão e visibilidade”.

Conquistar cotas de visibilidade no espaço público não é algo que se pode conseguir com facilidade. Marques destaca que, antes de tudo, os indivíduos sexualmente estigmatizados precisam romper as barreiras do espaço privado, o que significa expor a própria identidade diante dos outros. Porém, ao realizar três entrevistas com militantes da causa GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) para a consecução do seu trabalho, ela ressalta que “Para se exporem diante de um público ampliado, os entrevistados apontam que é preciso vencer os riscos de ser julgado e avaliado pelo olhar do outro. Um “outro”, identificado como “a sociedade” ou como “eles”, que é implacável em suas observações dirigidas pelo preconceito e pela homofobia”.

No ano passado, mais especificamente no dia 25 de março, publicou-se uma reportagem no jornal Estado de São Paulo, onde era abordado o crescimento quantitativo de personagens gays em telenovelas globais. A primeira vez em que um casal gay foi exibido em em uma novela data de 1988. As atrizes Lala Deheinzelin e Cristina Prochaska interpretavam um casal de lésbicas em "Vale tudo" - novela exibida pela Rede Globo (1988-1989). Entretanto, esta mesma reportagem utiliza o termo “homossexualismo” no corpo do texto. Luís Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, salienta que o uso deste vocábulo não é mais apropriado, visto que “o termo politicamente correto para definir o amor entre duas pessoas do mesmo sexo é homossexualidade e não homossexualismo. A idéia do "ismo" está ligada a uma patologia, a uma doença. Em 1985, o Conselho Federal de Medicina excluiu o homossexualismo como doença, mesma medida tomada em 1990 pela Organização Mundial de Saúde. Em 1999, o próprio Conselho Federal de Psicologia também reforçou que a homossexualidade não é doença. Qualquer tentativa de cura da homossexualidade vai contra os princípios éticos da medicina e psicologia”.

De acordo com Renata Pallottini, especialista em televisão, há uma idealização do casal homossexual, de forma semelhante ao que fizeram com o negro. “Grande parte da sociedade ainda é muito preconceituosa, então não dá para passar dessa fase de idealização, por enquanto. Tem que explorar mais o tema para depois fazer com que casais gays sejam como casais hetero”, afirma. O jornalista André Fischer ratifica, “nas novelas, os gays são lindos, bem resolvidos, ricos, etc., isso é para a aceitação do público. É lindo, mas não retrata a realidade, mesmo assim, é positivo. É melhor ver a intimidade do casal gay no quarto do que um beijo xoxo”, afirma. (opiniões extraídas da reportagem publicada originalmente no jornal Estado de São Paulo e disponível na rede através do blog Carioca Virtual)


Murilo Arruda, mestrando em Ciências Sociais, encara a atual visibilidade homossexual como algo positivo porque “ela obriga o outro (a sociedade, no caso) a ver um mundo específico, provoca alguma transformação”. Ele destaca ainda que a importância não reside no fato da opinião gerada ser positiva ou negativa, o que vale é a familiaridade proporcionada com outras experiências de sexo, gênero e corpo. “Qual sociedade, qual povo não estranha uma forma diferente da sua instituída? A questão é criar novas disposições sociais”, argumenta.

segunda-feira, 31 de março de 2008

União civil entre homossexuais


Recentemente, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, afirmou que o governo brasileiro é favorável ao reconhecimento da união civil entre homossexuais. Para ele, o que está em jogo é a garantia de direitos, tais como previdência e herança. Um dos principais problemas enfrentados por homossexuais é que, mesmo mantendo uma relação estável por anos, quando um dos parceiros (as) morre não é garantido ao outro (a) o direito de ficar com os bens acumulados durante o período do relacionamento, por exemplo. Nestes casos, a família, que muitas vezes expulsa o indivíduo de casa por conta da sua orientação sexual, é quem herda os referidos bens.

De acordo com o site de notícias “G1” (a matéria foi publica em diversos outros sites também), São Paulo será palco do primeiro casamento gay celebrado no Brasil, que acontecerá no dia 10 de abril. Os noivos serão: Felipeh Campos, jornalista, 34 anos, e Rafael Scapucim, produtor de moda, 26 anos. O casal já vive junto há cinco anos e pretendem oficializar a união estável, através de um contrato de parceria. A cerimônia religiosa será orientada pelo candomblé.

Na edição nº. 202, da revista Super Interessante, há uma matéria de capa, intitulada “Casamento Gay”, onde o jornalista Sérgio Gwercman elenca 37 direitos que eram/ainda são negados aos homossexuais. Dentre eles estão: não podem casar; não têm reconhecida a união estável; não podem somar renda para aprovar financiamentos; não podem incluir parceiros como dependentes no plano de saúde; não participam de programas do Estado vinculados à família; não adotam filhos em conjunto; não têm licença maternidade/paternidade se o parceiro adota filho; não têm licença-luto, para faltar ao trabalho na morte do parceiro; não têm garantida a permanência no lar quando o parceiro morre; não têm direito à visita íntima na prisão; não podem autorizar cirurgia de risco; não podem declarar parceiro como dependente do Imposto de Renda (IR) etc.

Gwercman ressalta que “Mesmo sem amparo legal, homossexuais vêm conseguindo na Justiça a equiparação de seus relacionamentos com os de heterossexuais. E não é raro terem benefícios idênticos ao casamento – o caso da esposa de Cássia Eller, que conseguiu a guarda do filho da parceira morta, é um exemplo. Mas vitórias na Justiça não podem ser confundidas com direitos iguais. É impossível dizer que alguém obrigado a contratar um advogado e enfrentar os tribunais para ter acesso a uma herança, por exemplo, tenha os mesmos direitos de quem recebe o dinheiro automaticamente”.

No ano de 2007, segundo o site “Folha Online”, a juíza Sirlei Martins da Costa, da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia (GO), em uma decisão pioneira no estado, concedeu o reconhecimento de união estável para um casal de homossexuais. Na decisão, ela afirmou que os dois homens envolvidos no processo constituíam uma entidade familiar com "todas as conseqüências legais advindas da uniões estáveis". Casos como esse permitem, partindo-se do pressuposto que o Direito é uno, que ocorrências semelhantes sejam julgadas utilizando-se a mesma base, isto é, abre-se caminho para sentenças favoráveis a casais homossexuais em outros processos. Danielle Vieira, funcionária do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, explica que “comprovar união estável não é só uma questão vivenciada por homossexuais. Toda semana, a gente lida com pessoas que conviviam com outra, há mais de 30 anos, por exemplo, sem oficializar a situação”.

A resistência em se reconhecer a união civil entre homossexuais se enquadra, juntamente com a violência física, verbal e psicológica a que são expostos, no âmbito maior da homofobia. Em nota no site do GGB, consta que, entre 1980-2005, foram assassinados no Brasil 2.511 homossexuais, em sua maior parte, vítimas de crimes homofóbicos. Os crimes costumam ocorrer com requintes de crueldade. Afirma-se ainda que o Brasil é, no quesito homofobia, o primeiro colocado num ranking de 25 países (incluindo Irã, Somália e Argentina) que disponibilizam informações a respeito do tema.

No ano de 2004, a Secretaria Especial de Direitos Humanos apresentou o “Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB (gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais) e da promoção da cidadania homossexual”. De acordo com o Plano, elaborado pelo Governo Federal em parceira com a sociedade civil organizada, o objetivo principal visaria à “educação e à mudança de comportamento dos gestores públicos”.

O programa teria como principais ações: respaldar projetos de fortalecimento de instituições públicas e de ONGs (organizações não-governamentais) que já atuassem na área da promoção da cidadania homossexual e/ou na luta contra a homofobia; capacitação de profissionais e representantes do movimento homossexual; disseminação de informações sobre direitos homossexuais, por conseqüência, direitos humanos, além do incentivo à denúncia de violações de tais direitos. “... o combate à homofobia e a promoção dos direitos humanos de homossexuais é um compromisso do Estado e de toda a sociedade brasileira”.

Há um trecho no documento onde se salienta que “enquanto existirem cidadãos cujos direitos fundamentais não sejam respeitados por razões relativas à discriminação por: orientação sexual, raça, etnia, idade, credo religioso ou opinião política, não se poderá afirmar que a sociedade brasileira seja justa, igualitária, democrática e tolerante”.
Saiba mais:

Justiça reconheçe união entre gaúcho e americano

Avanços da lesgilação sobre casais gays no mundo

STJ retoma julgamento sobre união homossexual

Começam as transmissões do 1º canal gay na internet

Projeto de Lei Federal nº 1.151

quinta-feira, 13 de março de 2008

Let me introduce the shoe…


“O sapato” é um blog, com aspirações jornalísticas, criado por Anderson Sotero - estudante de jornalismo da Universidade Federal da Bahia. Inicialmente, ele é oriundo de uma exigência da disciplina “ Oficina de Jornalismo Digital”. A intenção, ao se criar este blog, é a de abordar temas que de certa forma incomodem ou que sejam frutos do incômodo (ou não), fazendo alusão ao desconforto que um sapato apertado pode causar.
É livre, ilimitado e, sobretudo, experimental.

“Toda vez que calçar o sapato apertado e sentir o incômodo provocado servirá como fonte de inspiração para escrever”.

terça-feira, 11 de março de 2008

Sapato Apertado


Quando percebeu, já estava vestido. Nada do que escolhera para compor seu visual lhe agradava, mas sairia assim mesmo. Era necessário. Apanhou os sapatos e os calçou. No mesmo instante, sentiu o incômodo. Sentiu os pés sendo comprimidos e, quase que sem consciência, encurtou os dedos para que coubessem. Foi até a cozinha, tomou um gole do café amargo e comeu um biscoito para não sair de estômago vazio. Ao tentar trancar a porta de casa, descobriu que esquecera as chaves em baixo da cama. Elas haviam caído na noite anterior e, por preguiça, as deixou lá. Resmungou e voltou para pegar as chaves. Ao sair de casa, notou que a vizinha enxerida estava debruçada na janela, assistindo aos acontecimentos da vida alheia. Sempre se perguntava como alguém poderia viver daquela forma. Desviou o olhar e continuou sua caminhada. Era um longo percurso até o ponto de ônibus mais próximo e sabia que os seus sapatos não lhe dariam trégua. No caminho, lembrou-se de quantos problemas existiam na sua vida, mas a dor provocada pelos sapatos apertados não o deixava pensar direito. Não o deixava encontrar soluções. Então, parou por um instante e respirou fundo como se, ao sentir o oxigênio adentrar no seu pulmão, fosse lhe dado algum tipo de força para seguir adiante. Porém, antes de prosseguir, uma criança, sentada na frente de uma casa verde sem muros, despertou sua atenção. Ela brincava com um graveto na areia e desenhava formas distintas ao mesmo tempo em que sorria admirando as figuravas que criava. Coçou os olhos e continuou a contemplar a garota em seu belo quadro, mas o que mais chamou sua atenção foram os pés descalços da garota. De certa forma, quanto mais ele olhava os pés livres da menina, mais se intensificava a dor nos seus pés. Involuntariamente, retrocedeu. Pôs-se a caminhar no sentido contrário. Apesar da dor, caminhava apressadamente. Nem notou que a vizinha permanecia na janela e que se espantou quando o viu retornar, pois a curiosidade havia se instalado. Procurou as chaves e abriu a porta de casa. Subiu as escadas, sem fechar a porta. Retirou os sapatos com cuidado para que não agravasse o ferimento. Deixou os pés livres. Colocou os sapatos juntos. Ligou o computador. Não resistiu. Tinha finalmente uma idéia para criar um blog.