terça-feira, 11 de março de 2008

Sapato Apertado


Quando percebeu, já estava vestido. Nada do que escolhera para compor seu visual lhe agradava, mas sairia assim mesmo. Era necessário. Apanhou os sapatos e os calçou. No mesmo instante, sentiu o incômodo. Sentiu os pés sendo comprimidos e, quase que sem consciência, encurtou os dedos para que coubessem. Foi até a cozinha, tomou um gole do café amargo e comeu um biscoito para não sair de estômago vazio. Ao tentar trancar a porta de casa, descobriu que esquecera as chaves em baixo da cama. Elas haviam caído na noite anterior e, por preguiça, as deixou lá. Resmungou e voltou para pegar as chaves. Ao sair de casa, notou que a vizinha enxerida estava debruçada na janela, assistindo aos acontecimentos da vida alheia. Sempre se perguntava como alguém poderia viver daquela forma. Desviou o olhar e continuou sua caminhada. Era um longo percurso até o ponto de ônibus mais próximo e sabia que os seus sapatos não lhe dariam trégua. No caminho, lembrou-se de quantos problemas existiam na sua vida, mas a dor provocada pelos sapatos apertados não o deixava pensar direito. Não o deixava encontrar soluções. Então, parou por um instante e respirou fundo como se, ao sentir o oxigênio adentrar no seu pulmão, fosse lhe dado algum tipo de força para seguir adiante. Porém, antes de prosseguir, uma criança, sentada na frente de uma casa verde sem muros, despertou sua atenção. Ela brincava com um graveto na areia e desenhava formas distintas ao mesmo tempo em que sorria admirando as figuravas que criava. Coçou os olhos e continuou a contemplar a garota em seu belo quadro, mas o que mais chamou sua atenção foram os pés descalços da garota. De certa forma, quanto mais ele olhava os pés livres da menina, mais se intensificava a dor nos seus pés. Involuntariamente, retrocedeu. Pôs-se a caminhar no sentido contrário. Apesar da dor, caminhava apressadamente. Nem notou que a vizinha permanecia na janela e que se espantou quando o viu retornar, pois a curiosidade havia se instalado. Procurou as chaves e abriu a porta de casa. Subiu as escadas, sem fechar a porta. Retirou os sapatos com cuidado para que não agravasse o ferimento. Deixou os pés livres. Colocou os sapatos juntos. Ligou o computador. Não resistiu. Tinha finalmente uma idéia para criar um blog.

3 comentários:

Unknown disse...

Hahaha,
achei q vc fosse terminar com uma daquelas frase feitas clássicas de fim de ano, você se supera com a reviravolta, heheheh! muito boa

Juniupaulo disse...

Eu tb gostei do final. A melhor parte.

Eu disse...

Tentei escrever algo para te incentivar e dizer que você mandou bem, mas sem parecer muito óbvio. Fracasso total. Sou assim mesmo, sabe? Não consigo deixar a obviedade no armário, ela me persegue. Enfim, foi muito bom e está muito bom!!!