sábado, 5 de abril de 2008

“A homossexualidade não existe”


A obra de Caio Fernando Abreu (1949-1996), autor da frase que dá título ao texto, e as possíveis interseções com o cinema foi o tema da segunda mesa de discussão, realizada no Instituto Cervantes, durante a Mostra “Possíveis Sexualidades – da transgressão à vida familiar no cinema”, em seu terceiro dia de apresentações. A mesa foi composta por Guilherme de Almeida Prado, diretor do longa-metragem “Onde andará Dulce Veiga?” (2007), Állex Leila , professora e pesquisadora da obra de Caio Fernando, que substituiu o jornalista Thiago Soares que não pode comparecer, e Leandro Colling (mediador), professor do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da Facom/UFBA.

O mediador deu início à palestra e, numa forma de diversificar a apresentação dos palestrantes, leu trechos de uma carta, escrita pelo Caio Fernando Abreu, para o seu contemporâneo Guilherme Prado, onde incentivava o amigo a fazer o filme. Inicialmente, o roteiro havia sido escrito por ambos. Entretanto, Caio Fernando organizou os rascunhos e escreveu o livro “Onde andará Dulce Veiga?”, publicado originalmente em 1990.

“Após a morte do Caio, o projeto do filme ficou engavetado por cinco anos”, destacou Prado. O projeto somente veio a se realizar, a partir de uma reformulação do roteiro, quando percebeu que havia algo nele que não era datado, que era atemporal. A demora se deu porque, a priori, a idéia era a de fazer um filme sobre os anos 80, voltado para o público dos anos 80. Isto fez com que o projeto fosse sempre protelado. Guilherme Prado afirmou ainda, em tom descontraído, que, durante as filmagens, “na verdade, o diretor era o Caio e eu era o assistente de direção”, referindo-se aos acasos que ocorreram e influenciaram a produção.

Quando indagado sobre as dificuldades enfrentadas por trabalhar com um filme que possui também a temática gay, Guilherme Prado assegurou que esta característica não se configurou em um empecilho, visto que ele estava trabalhando com uma obra já publicada, de um autor conhecido e que já morreu. “No Brasil, é melhor trabalhar com um autor morto”, ressaltou o diretor. Para ele, o atual obstáculo é o de conseguir dinheiro para lançar o filme.

A segunda palestrante, Állex Leila, desenvolve um trabalho de pesquisa que se baseia nos contos escritos por Caio Fernando. “A minha relação com Caio ultrapassa as questões acadêmicas. Desde a primeira vez que o li, me apaixonei”. Porém, a pesquisadora salientou a dificuldade que teve em encontrar as obras do autor. “Hoje em dia é mais fácil, pois há uma grande editora que está publicando a obra de Caio”. De acordo com Állex Leila, não podemos afirmar que nos referidos contos a homossexualidade seja tratada como algo no singular, “não há uma única homossexualidade, e sim homossexualidades”, “a sexualidade (nos contos) nunca é resolvida ou encerrada numa única perspectiva”, esclareceu.

A primeira edição da Mostra se estende até o dia 11 de abril e exibe um total de 12 filmes – longas de ficção e documentário – produzidos na Espanha, Brasil e Argentina. As películas podem ser vistas no Instituto Cervantes, no circuito SALADEARTE (Cinema do Museu e UFBA) e na Sala Walter da Silveira, a partir das 16 horas. Pode-se conferir também, além da exibição das obras cinematográficas, a exposição fotográfica "Boneca Sai da Caixa", produzida pelo Laboratório de Fotografia da Facom/UFBA.

Caio Fernando Abreu

“Só que homossexualidade não existe, nunca existiu. Existe sexualidade – voltada para um objeto qualquer de desejo. Que pode ter genitália igual, e isso é detalhe. Mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade”.

Biografia

Caio Fernando Loureiro de Abreu nasceu no dia 12 de setembro de 1948 em Santiago (RS). Jovem ainda mudou-se para Porto Alegre onde publicou seus primeiros contos. Cursou Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, depois Artes Dramáticas, mas abandonou ambos para dedicar-se ao trabalho jornalístico no Centro e Sul do país, em revistas como Pop, Nova, Veja e Manchete, foi editor de Leia Livros e colaborou nos jornais Correio do Povo, Zero Hora, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. No ano de 1968 — em plena ditadura militar — foi perseguido pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), tendo se refugiado no sítio da escritora e amiga Hilda Hilst, na periferia de Campinas (SP). Considerado um dos principais contistas do Brasil, sua ficção se desenvolveu acima dos convencionalismos de qualquer ordem, evidenciando uma temática própria, juntamente com uma linguagem fora dos padrões normais. Em 1973, querendo deixar tudo para trás, viajou para a Europa. Primeiro andou pela Espanha, transferiu-se para Estocolmo, depois Amsterdã, Londres — onde escreveu Ovelhas Negras — e Paris. Retornou a Porto Alegre em fins de 1974, sem parecer caber mais na rotina do Brasil dos militares: tinha os cabelos pintados de vermelho, usava brincos imensos nas duas orelhas e se vestia com batas de veludo cobertas de pequenos espelhos. Assim andava calmamente pela Rua da Praia, centro nervoso da capital gaúcha. Em 1983 transferiu-se para o Rio de Janeiro e em 1985 passou a residir novamente em São Paulo.Volta à França em 1994, a convite da Casa dos Escritores Estrangeiros. Lá escreveu Bien Loin de Marienbad. Ao saber-se portador do vírus da AIDS, em setembro de 1994, Caio Fernando Abreu retorna a Porto Alegre, onde volta a viver com seus pais. Põe-se a cuidar de roseiras, encontrando um sentido mais delicado para a vida. Foi internado no Hospital Menino Deus, onde faleceu no dia 25 de fevereiro de 1996. (Trecho extraído do site “Releituras”)

Especial Caio Fernando


Obs.: A matéria foi produzida em 2006. Na epóca, completavam-se 10 anos após a morte de Caio Fernando.


Saiba mais:

Programação da 1ª Mostra Possíveis Sexualidades
Sinopses dos filmes
A obra de Caio Fernando Abreu

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